No fim dos anos 1980, os irmãos Fábio e Cláudio Miranda se reuniram com amigos do Jardim Ângela, periferia do extremo sul de São Paulo, para formar uma banda de samba. Moradores de um dos lugares mais pobres da capital paulista na época, o grupo decidiu criar os próprios instrumentos com materiais reciclados. Era a gênese de um projeto que três décadas depois se tornaria referência em sustentabilidade no mundo.
Fábio e Cláudio Miranda são os fundadores do Favela da Paz, que surgiu após perceberem que moradores do Jardim Ângela se orgulhavam da banda e se interessavam em fazer música como eles. O projeto começou como estúdio na década de 90 para dar aulas de música para a comunidade. Depois, passou a ter projetos de sustentabilidade e energia renovável e se tornou Instituto Favela da Paz. Na atual edição da Conferência do Clima (COP), é reconhecido como um dos 17 projetos de sustentabilidade mais inspiradores do mundo e está exposto em pavilhão virtual até o fim do evento.
Quando a iniciativa surgiu, o Jardim Ângela era considerado o lugar mais perigoso do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU) – título que só foi revogado em 2013, com participação ativa dos irmãos. “Percebemos que éramos agentes transformadores e poderíamos ajudar a mudar a realidade à nossa volta. Todo mundo queria sair, e a gente teve a sacada: por que não mudar o Jardim Ângela sem se mudar daqui?”, indaga Fábio, de 42 anos.
Os dois chegaram a ter 300 estudantes de música no estúdio. Muitos tentavam formar bandas, mas não conseguiam. Para resolver isso, a produção dos instrumentos continuava a ser feita com materiais reciclados – hoje cerca de 80% do estúdio é de materiais sustentáveis. A mudança para instituto só aconteceu em 2010. Um ano antes, Cláudio viajou a Portugal e teve contato com as energias renováveis. “Um dia, ele me ligou, disse que tinha umas placas azuis que faziam energia do sol e que ele queria trazer para o projeto. Eu achei que ele estava ficando doido”, relembrou Fábio.
No ano seguinte, ele fez a mesma viagem, conheceu a energia solar e teve contato com sistemas de biogás, que convertem o lixo orgânico da cozinha em gás. Quando retornou, criou e passou a comandar o projeto Periferia Sustentável, com o objetivo de desenvolver tecnologias sustentáveis e de baixo custo que pudessem ser replicadas. O músico também passou a estudar sobre energias renováveis e criou o primeiro sistema de biogás no Brasil, replicado em diversas comunidades no País.
Hoje, o Instituto desenvolve oficinas que ensinam à população como fazer o biodigestor e influenciam centenas de jovens. Conseguiu se tornar autossuficiente, gerando a própria energia consumida. Ele também conta com um aquecedor de água espiral solar no telhado, que abastece os chuveiros, e com um tanque que coleta a água de chuva.
Os irmãos também transformaram o instituto em uma ecovila e criaram um curso de culinária vegana, o Vegearte. Por meio de hortas comunitárias e ensino de manejo com os alimentos para crianças, incentivam a alimentação saudável e barata.
Para Felipe Faria, CEO da Green Building Council Brasil, empresa parceira do instituto, a iniciativa mostra que a sustentabilidade pode ser aplicada em qualquer lugar, independentemente da faixa de renda, sem contar a quebra de um dos preconceitos que giram em torno da sustentabilidade: o custo. “O instituto é totalmente filantrópico e mostra que quem tem recursos não tem desculpas para não fazer.”
A maioria das iniciativas sustentáveis do Instituto Favela da Paz são de baixo custo. A construção de uma horta vertical, por exemplo, não supera R$ 50. No canal do Instituto Favela da Paz no YouTube, Fábio também ensina o passo a passo da construção de sistemas de sustentabilidade mais complexos, como biogás. “Tudo é possível de ser feito por qualquer um, utilizando tambores, PVC, barbante”, diz.
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por Luiz Henrique Gomes, via Estadão
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