Não só os seres humanos têm na água sua fonte de vida. No entanto, dentre todas as espécies que compõem a biosfera certamente o ser humano deve se indagar com o seguinte pensamento: E se todas as espécies utilizassem a água como nós?
Um assunto importante que em tempos de crise pouco se aborda é a relação entre água e floresta. Quando se pensa em falta de água há cada vez mais um distanciamento de sua real causa, a perda de florestas. São as florestas que garantem a produção de água para os sistemas que abastecem os grandes centros urbanos brasileiros, e essa importante informação foge à crítica dos moradores das cidades. Isso porque se vivencia cada vez mais na cidade a perda de qualidade de vida justamente pela carência de florestas em áreas urbanas, e esse conhecimento vai distanciando a origem do problema de quem sofre as consequências.
No mundo silvestre a forma de uso da água pelas espécies que habitam áreas naturais protegidas diverge bastante do modelo de utilização dos recursos hídricos adotado pelo cidadão urbano. Enquanto urbanos precisam de banhos, lavagem de alimentos, água para beber, a mesma situação se aplica aos animais habitantes dasáreas naturais protegidas. Mas quando se pensa em utilizar água potável para fins nada nobres, e ainda por cima meramente fúteis como lavagem de veículos e calçadas, entende-se a divergência entre a importância dada à água pelo ser humano e pelas espécies que habitam as áreas naturais. Isso porque o valor dado à água pelas espécies de animais silvestres é o valor da sobrevivência. A presença ou ausência de água está intimamente ligada a estar ou não vivo e apto a encontrar um parceiro e constituir um grupo familiar.
Essa situação leva a outra reflexão: Na mata ou na cidade os seres que habitam esses espaços compartilham a mesma insegurança quanto à falta de água?
A primeira resposta à falta de água pela fauna silvestre é concentrar-se em locais onde esse recurso ainda existe, mesmo que em baixa quantidade. A floresta é um produtor de água para todos os seres vivos, inclusive aqueles que residem na própria floresta. Nascentes e riachos em meio à mata densa representam a única forma de sobrevivência de muitos animais silvestres, e dessa forma tornam-se locais de concentração tanto de presas quanto de predadores. Nesse sentido, a diminuição das chuvas afeta as florestas reduzindo a volume de água nas nascentes e riachos, o que resulta na necessidade de cada vez maior de que os animais silvestres sejam forçados a deslocar-se para outras áreas. Isso implica na possibilidade de vê-los atravessando rodovias e áreas urbanas sem uma mínima segurança, tanto para eles próprios quanto para os moradores de um bairro vizinho a uma área natural protegida.
Animais e plantas necessitam de água para o dia a dia assim como os humanos. Aves e mamíferos banham-se em cachoeiras com seus pares, dão de beber para seus filhos, assim como faz o ser humano. Ou seja, todas as espécies compartilham a nobreza que é utilizar água limpa e cristalina para suas atividades diárias. Para as plantas a escassez de chuva representa o aumento do período do ano com risco de incêndios florestais. Anualmente a floresta vive um ciclo composto e com características definidas, primavera e verão quente e chuvoso, outono e inverno frio e seco. Esse ciclo garante as características da Mata Atlântica. Quando algo vai fora do comum, como a falta de chuva neste ano, há um prolongamento do período deestiagem e consequentemente maior risco de perda de vegetação nativa por meio de queimadas.
Áreas naturais protegidas são abertas à visitação pública. Essa é certamente a melhor forma de conhecer um pouco mais sobre o importante papel que as florestas possuem como sistema produtor de água. A Mata Atlântica tem enraizado em suas origens a presença constante de água, que em tempos antigos esculpiu esses mares de morros que compõem a paisagem paulista. Nesse sentido, visitar parques naturais e Unidades de Conservação representa um aprendizado livre e pautado na experiência. Experiência esta que se utiliza dos sentidos para a sensação de bem estar em si. Nesse sentido, o comportamento dos visitantes que procuram estes refúgios de qualidade de vida inseridos na cidade é, em sua maioria, de um estranho amor pelo desconhecido. Poder desfrutar de ar fresco em São Paulo é um momento único que tende a se assemelhar a um prêmio na loteria.
Na verdade o cidadão urbano descobriu que a água da chuva é a mesma que ele bebe, toma banho, cozinha e lava roupa. Resta construir no conhecimento urbano que não adianta querer chuva sem ter uma floresta protegida para produzi-la. O desperdício e a utilização de água portável para os fins não nobres precisam ser eliminados de forma criativa. Para isso as construções residenciais precisam contemplar o reuso de água em seus projetos. Deixar de ser exceção para ser uma regra, e nada melhor que entender o modelo de uso racional de água que a floresta nos ensina e aplicá-lo no ambiente em que vivemos.
*Artigo escrito por Diego Hernandes que é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar campus Sorocaba. Especialização em Gerenciamento Ambiental pela ESALQ-USP. Gestor de Unidade de Conservação pela Fundação Florestal/SP. Também é consultor técnico para elaboração de Planos de Manejo e levantamentos faunísticos.