Semáforos vermelhos estão obsoletos. Parece ser o pensamento por trás da solução mais recente do Google para cidades, que foi implementado em uma dúzia de cidades ao redor do mundo, de Seattle a Jacarta. A maioria das cidades ainda coleta dados para determinar manualmente o tempo dos sinais de trânsito, mas o projeto Green Light substituiu contadores e pranchetas por dados de localização obtidos de smartphones. A inteligência artificial processou os números, e os motoristas viram 30% menos atrasos. Mas há uma ressalva: mesmo quando as mortes de pedestres nos EUA atingiram o maior patamar em 40 anos, os engenheiros do Google omitiram pedestres e ciclistas de seus cálculos.
A negligência do Google ameaça desfazer uma década de progresso em ruas seguras, e é um lembrete dos possíveis riscos quando a inteligência artificial invade a cidade.
Prefeitos de todo o mundo têm adotado promessas de Visão Zero para eliminar as mortes de pedestres ao diminuir a velocidade do tráfego. Mas o site do projeto Green Light nem sequer menciona a segurança viária. Ainda assim, o experimento da gigante de buscas demonstra o potencial da inteligência artificial para ajudar as cidades. As emissões de gases de combustão em cruzamentos caíram 10%. Imagine o que a IA poderia fazer se a usássemos para capacitar as pessoas nas cidades ao invés de ignorá-las.
Considere o planejamento urbano e as diversas barreiras à participação que ele cria. A mesma tecnologia que alimenta chatbots e deepfakes está derrubando rapidamente essas barreiras. Empreendedores do mercado imobiliário dominaram a arte de usar renderizações para moldar a opinião pública. Mas o UrbanistAI coloca esse poder nas mãos dos moradores: ela usa IA generativa para transformar prompts de texto em imagens fotorrealistas de designs urbanos alternativos. Já a Aino, baseada em Barcelona, desenvolveu um chatbot em uma ferramenta de mapeamento. Com estas ferramentas, os ativistas de urbanos não precisam mais contratar um cientista de dados para produzir mapas a partir de dados do censo para defender seus argumentos.
Em breve, a IA pode expandir dramaticamente o acesso à arquitetura e ao design. Um estudante da Cornell Tech treinou um modelo de IA generativa que transforma texto em prédios. O software faz pela arquitetura o que o DALL-E da OpenAI fez para ilustração. Basta digitar um prompt como “casa estilo Tudor” e o código gera um modelo 3D no qual os designers e seus clientes podem se inspirar.
O desafio da adaptação climática está impulsionando ainda mais inovações em IA para as cidades. A CANN Forecast trabalha com serviços de água e esgoto em todo o Canadá, ajudando a prever quando a infraestrutura irá falhar. Reparar vazamentos antes que se tornem rupturas reduz dramaticamente os custos e mantém as cidades funcionando, mesmo com tempestades e secas cada vez mais frequentes e intensas devido as mudanças climáticas. A State of Place, outra startup, pode prever o retorno sobre o investimento para melhorias na caminhabilidade, o que pode incentivar mais comunidades a projetarem bairros mais densos, menos dependentes de carros e mais resistentes a choques climáticos.
Os próximos anos trarão mais inovações em IA para nossos problemas urbanos mais urgentes. Como converter prédios de escritórios obsoletos para novos usos? Simuladores de ocupação podem prever em detalhes impressionantes como pessoas e prédios se adaptam a novos usos. Qual é o momento ideal para carregar carros elétricos, ônibus e caminhões para maximizar a parcela de energia renovável produzida por usinas eólicas e solares? A IA fornecerá o impulso para resolver esse jogo de xadrez. Robôs alimentados por IA também estão chegando, mais rápido do que se pensa. Em Singapura, a H3 Dynamics implanta “pods de drones em uma caixa” nas coberturas de edifícios. Todos os dias, uma nuvem de drones semelhantes emerge para inspecionar a fachada do prédio em busca de defeitos. E talvez não demore muito para que esses drones também façam reparos. Invenções como esta, que reduzem trabalho, serão cruciais para levar uma população rapidamente envelhecida através do clima turbulento que está por vir.
Esse aumento de aplicações de inteligência artificial relacionadas ao meio urbano é um recurso tremendo para cidades enfrentando diversos desafios. Mas há grandes riscos. A fome da IA por dados pessoais, seu poder para reforçar preconceitos humanos e seu potencial para substituir a tomada de decisão humana poderiam criar novos problemas enquanto resolve os antigos.
Já vimos esse filme antes. O iPhone chegou, e com ele empresas como Uber, Airbnb e DoorDash. Uma série de desafios de segurança pública e reestruturações dos mercados de transporte, habitação e varejo seguiram-se. Levou uma década para os governos controlarem a situação.
Desta vez, os líderes das cidades já estão em alerta vermelho. Na cidade de Nova York, por exemplo, a administração do prefeito Eric Adams produziu um ambicioso chamado Plano de Ação de Inteligência Artificial em outubro de 2023. Ao longo de 2024, as agências da cidade trabalharão para medir os riscos das ferramentas de IA, envolver o público em decisões sobre elas e contratar os talentos que o governo precisa para construir sua própria IA de forma responsável e eficaz. Mais deve ser feito para apoiar startups urbanas e iniciativas de tecnologia cívica para evitar que gigantes da tecnologia dominem o mercado de IA urbana – o plano de Nova York é um modelo para cidades em todo o mundo.
Cidades e seus líderes não devem escolher entre abraçar ou não o potencial da inteligência artificial. Ao invés disso, a escolha é quais valores impomos aos criadores destas ferramentas e como os fazemos cumprir. As Big Techs mostraram repetidamente que não são necessariamente confiáveis para criar tecnologias responsáveis por si próprios. Quando se trata da inteligência artificial, é hora de trazer essas decisões para a luz e deixar as pessoas terem suas vozes ouvidas.
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Por Anthony Townsend e Hubert Beroche, via Bloomberg
Foto de capa: Drones alimentados por inteligência artificial podem ser inestimáveis para inspecionar e reparar edifícios de grande altura. Fotógrafo: Costfoto/NurPhoto via Getty Images