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Entrevista com Marina Silva

Publicado em 19 . 04 . 2016

Marina-SilvaMarina Silva é historiadora, professora, ambientalista e política brasileira. Sua atuação pela preservação do meio ambiente lhe rendeu reconhecimento internacional, tendo recebido uma série de prêmios internacionais por sua luta pela preservação da Floresta Amazônica, por sua atuação na área de mudanças climáticas e pelas iniciativas para criar um desenvolvimento sustentável no Brasil. Senadora da República por dois mandatos consecutivos e Ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, Marina Silva foi a keynote speaker do 6º Greenbuilding Brasil, apresentando a todos a audiência, seus conceitos e posicionamento frente aos desafios para a consolidação de um modelo de desenvolvimento nacional que privilegie a sustentabilidade dos recursos naturais, e a preservação da humanização das relações sociais num futuro próximo, convicções que reafirma nesta entrevista exclusiva ao GBC Brasil.
Com toda esta crise política e econômica, o Brasil tem condições de implantar um modelo de desenvolvimento sustentável, qual seria este horizonte de tempo?
Marina Silva: Acredito que o Brasil reúne condições muito favoráveis para fazer uma profunda inflexão no modelo de desenvolvimento predatório e excludente, que tem prevalecido até aqui no mundo. Somos uma potência em recursos naturais, temos 11% da água doce disponível e 22% das espécies vivas do planeta. Temos a maior floresta tropical do mundo e diversos ecossistemas extremamente ricos como o pantanal, cerrado, caatinga e mata atlântica, além da nossa vasta costa atlântica. Dispomos de enorme potencial de geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis, como a solar, eólica, biomassa e hídrica. A grande extensão de terras agricultáveis, superior a 300 milhões de hectares, pode garantir produção de alimentos de qualidade sem a necessidade de desmatar novas áreas de vegetação primária. Além disso, temos gigantescas jazidas minerais que precisam ser cuidadosamente exploradas, porque, como diz um amigo, são safras que só dão colheita uma única vez. Mas apesar de toda essa riqueza natural, temos tido enormes dificuldades para sair do modelo de exploração predatória, dos recursos naturais e da dependência econômica das ‘”commodities”. Infelizmente nos tem faltado visão estratégica para construir um projeto de nação que nos faça grande, não mais pela própria natureza, mas pela natureza das decisões que tomamos, como por exemplo, investir em educação, ciência e tecnologia de alta qualidade. Unindo a base de recursos naturais que temos com o potencial criativo e empreendedor de nossa população, não tenho dúvida de que em poucas décadas poderíamos galgar níveis de qualidade de vida e desenvolvimento bastante satisfatórios. Mas para isso, precisamos sair desta crise política com uma democracia mais saudável e com nossas instituições mais fortes. Para tanto, é fundamental que as investigações em curso redundem em punições exemplares e que sepultem a cultura da impunidade no Brasil. Com esses alicerces estabelecidos, podemos debelar a crise econômica e dar os passos estruturais que o Brasil precisa para retomar a trajetória virtuosa que vinha seguindo, e que nos fez conquistar estabilidade econômica e inclusão social nas últimas duas décadas.
Ninguém se conforma com o desmatamento na Amazônia. O que vem sendo feito efetivamente nos últimos anos para a redução do índice de desmatamento, e quais são as perspectivas futuras?
MS: O Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia foi lançado em 2004 durante minha gestão no Ministério do Meio Ambiente e, desde então, tem dado uma grande contribuição para a redução das taxas de desmatamento. Desde então já atingimos uma redução de 80% na destruição. Mas, a continuidade desse processo está fortemente ameaçada desde que a Presidente Dilma sancionou o novo Código Florestal, que deu anistia ao desmatadores e reduziu as áreas de proteção, não só na Amazônia mas em todos os biomas do país. Além disso, ela praticamente paralisou o processo de criação de unidades de conservação, as quais são uma das estratégias mais eficientes para redução do desmatamento. Infelizmente com o enfraquecimento do governo em meio a essa crise política, a legislação socioambiental tem sido ainda mais usada como moeda de troca na tentativa de amealhar apoio político. Prova disso são as propostas de enfraquecimento da legislação das unidades de conservação, terras indígenas e licenciamento ambiental que contam com apoio velado do governo.
Atualmente o tema sustentabilidade está se disseminando cada vez mais principalmente através do engajamento do setor privado com iniciativas e soluções tecnológicas cada vez mais avançadas, buscando sempre a preservação do meio ambiente atrelado à otimização de recursos econômicos e a conscientização do mercado de forma geral. Porém sabemos que é muito importante a participação continua do setor público para que estas iniciativas se desenvolvam e evoluam em escala para que seja possível atingir um nível de eficiência. O que a Sra. acredita que tem que ser feito para envolver mais o poder público nesta empreitada pela sustentabilidade?
MS: Tenho dito que o maior entrave que o país enfrenta para continuar avançando em todas as agendas estratégicas, como é o caso da agenda da sustentabilidade, da inclusão social e da modernização de nossa economia, que passa por superarmos a má qualidade de nossa política. O presidencialismo de coalização que nos trouxe até aqui, baseado na distribuição de pedaços do Estado aos partidos e coronéis políticos se esgotou. Um país da magnitude e importância do Brasil não pode mais ser governado por pessoas e partidos que não apresentem um programa de governo ao escrutínio da sociedade. Não podemos mais continuar dando cheques em branco para os políticos nos governarem, sem que se comprometam com uma visão de país e uma concepção de desenvolvimento que possa ser debatida e julgada claramente pela população nos pleitos eleitorais. A crise atual mostra como a má política corrói os bons fundamentos econômicos e as conquistas sociais. Ajeitar essa política é o passo inicial para qualquer agenda séria e de longo prazo em nosso país.
A 6° edição do Greenbuilding Brasil Conferência Internacional e Expo, que ocorreu em agosto de 2015, é um dos eventos mais importantes no âmbito da construção sustentável, e vem ao longo dos anos consolidando-se cada vez frente ao setor da construção civil. Como foi a experiência de participar como “Keynote Speaker” neste evento e qual a importância das atividades do Green Building Brasil para o país?
MS: Foi uma grande alegria encontrar-me com tantos profissionais e empreendedores envolvidos de forma tão apaixonada com a questão da sustentabilidade. Os diálogos que tivemos foram muito ricos e me mostraram que temos uma comunidade profissional no Brasil ligada à questão das edificações sustentáveis do mais alto nível técnico e de grande compromisso ético. Como diz o sociólogo francês Edgard Morin, somos parte de uma comunidade de pensamento que milita em favor de um modelo de desenvolvimento socialmente justo, economicamente próspero, ambientalmente sustentável, culturalmente diverso e politicamente democrático._N4B9619
Um dos temas da abertura da 6° Greenbuilding Brasil Conferência Internacional e Expo foi “colaboração”. É um sonho pensar em uma fórmula de se fazer política colaborativa no Brasil?
MS: Para mim não há nada mais concreto do que o sonho. Foi sonhando em voar que o homem construiu aeronaves, foi sonhando com o fim da descriminação racial – no fundo de uma cela – que Nelson Mandela pavimentou o caminho para o fim do apartheid na África do Sul. Da mesma forma, Luther King, Gandhi, Chico Mendes e tantos outros. Eu não quero deixar de sonhar, jamais. Foi sonhando em estudar e ser freira que sai, analfabeta e doente, de um seringal no Acre e cheguei a ser senadora e ministra e à honrosa posição de candidata a Presidente do Brasil, por duas vezes. Acho que a visão de um Brasil melhor tem que habitar primeiro em nossos sonhos para depois surgir de nossas decisões e de nossas mãos. Pensar em processos colaborativos não é mais uma opção. Num mundo em rede, conectado e vazado de todos os lados pela transparência e repleto de pessoas sedentas por participação e protagonismo, não haverá mais lugar para os processos fechados, para as estruturas herméticas, para as mentalidades engessadas. A colaboração é a principal característica do funcionamento dos sistemas naturais. A competição é a exceção. E o exagero na competição criou essa crise no mundo em que vivemos. A saída passa por nos reconectarmos uns aos outros é nos ouvirmos, nos respeitarmos e construirmos juntos os caminhos que decidirmos seguir como nação, empresas, famílias ou indivíduos.
Imagine-se no dia 12 de Dezembro de 2015, um dia após o COP de Paris… Qual seria a notícia que você gostaria de ler, em relação às conclusões e comprometimentos assinadas pelos principais chefes de Estados, durante a reunião de Cúpula? Ou o que você gostaria de ler sobre a participação do Brasil?
MS: Como falei antes, o sonho é uma força motora a nos impulsionar para frente e para o alto. Então, sonhando alto, eu gostaria de ver os jornais informando que o acordo firmado em Paris pelos governantes dos países garante que as emissões de gases somadas de todas as nações do mundo não ultrapassarão o limite de 11,3 gigatoneladas por ano a partir de 2020. Alcançarmos esse limite é condição fundamental para que a elevação da temperatura do planeta não ultrapasse os 2 graus Celsius estimado pelo painel científico da ONU, o IPCC. Sonho também que o governo brasileiro contribua de forma significativa para que esse resultado tenha sido alcançado.
Texto retirado da 7° edição da Revista GBC. Acesse todas as edições:
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