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A pandemia nos levou a repensar valores. A busca pela casa sustentável feita em curto prazo e de menor custo aumentou o interesse de arquitetos do país pela construção com pré-fabricados

construção civil gera 70% de todos os resíduos sólidos urbanos. Diante da urgência em se adotar soluções sustentáveis, a obra feita com módulos pré-fabricados é uma alternativa ecológica porque reduz a quase zero o desperdício de materiais. Esse já é um bom motivo para escolher uma casa modular, que chega pronta para ser montada no terreno. Mas há outras vantagens: rapidez e menor custo da obra. Para atender melhor às expectativas dos clientes, há dois anos aconteceu um boom de arquitetos interessados em investir em projetos de moradia com pré-fabricados no país.

A construção modular começou na década de 1950 nos Estados Unidos e na Europa com o objetivo de acelerar a recuperação das cidades depois do fim da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, a partir dos anos 1960, o arquiteto Sergio Rodrigues criou casas modernas com módulos de madeira.

Nos últimos anos, o arquiteto Marcos Acayaba fez projetos residenciais com peças pré-fabricadas de madeira laminada colada (MLC) da ITA Construtora. Antigamente, a oferta era apenas de modelos feitos de modo quase artesanal. Até há pouco tempo, os projetos modulares eram mais aplicados em imóveis corporativos. Atualmente, as novas tecnologias tornaram esse trabalho mais atraente e desafiador.

arquiteto Victor Paixão, do escritório PAX Arquitetura, desenvolveu sistemas de fabricação digital e fundou, no início de 2020, a empresa Zero Máquina. A ideia veio do livro sobre a mostra Home Delivery: Fabricating the Modern Dwelling, realizada em 2008 no MoMa de Nova York. “Em 2015, iniciamos pesquisas. Estudei as técnicas pela internet e fiz desenhos com tipos de encaixe, parede, piso e forro, adaptando-as aos materiais e ao clima do Brasil”, diz Victor.

“Nossa técnica é a woodframe digital, baseada no sistema WikiHouse, que surgiu em 2012 em Londres e popularizou a máquina de corte computadorizada.” A máquina tem precisão para folga de um milímetro, necessária na dilatação da madeira, com perda de apenas 15% do material. “Tudo é dimensionado no galpão. Temos três máquinas de corte e potencial para produzir 30 casas por ano a R$ 6 mil o m².”

Diversidade de matriais e sistemas

A construção modular usa várias tecnologias e materiais industrializados. Existem três sistemas modulares: o volumétrico, ou 3D, que vai como uma caixa em cima do caminhão; o painelizado, painéis autoportantes para compor paredes, piso e teto; e o paramétrico, com componentes parafusados que se repetem criando formas complexas orgânicas e modulados geométricos.

Podem ser empregadas estruturas de madeira bruta, engenheirada, MLC, woodframe e chapas de OSB em sanduíche com isopor. Ou de steelframe, aço galvanizado e aço-carbono com chapa cimentícia. Há ainda os módulos de concreto. “No Brasil, as técnicas se desenvolveram mais nos últimos dez anos. Antes não faziam aqui casas modulares de qualidade”, diz o arquiteto Felipe Savassi. “A padronização permite a fabricação em massa; a casa é feita em dois dias em linha de montagem, igual a um carro. Há empresas investindo em casas modulares para a população de baixa renda.”

Os arquitetos Pietro Di Folco Penchiari e Leonardo Bizarro, do StudioAdi, acreditam que o sistema de steelframe deve ser o mais executado nos próximos anos. “Fundimos o escritório de arquitetura com uma empreiteira para realizar projetos de casa pré-fabricada com custo único”, diz Pietro.

Eles fizeram uma casa de 66 m² com o sistema de steelframe na cidade de Extrema, Minas Gerais, em três meses no ano passado ao custo de R$ 4.500 o m², incluindo mobiliário. Tem outra de 93 m² que será montada em Avaré, São Paulo, orçada em R$ 6 mil o m² com acabamentos nobres. “Para viabilizá-la, a obra será híbrida com radier de concreto.”

O StudioAdi faz as paredes internas de drywall e, as externas, de placas cimentícias. “As peças são levadas cortadas para facilitar o transporte até o local. O sistema de vedação é feito em um dia”, explica Pietro.

Se o cliente pede parede interna de madeira, entram painéis de MDF no lugar do gesso acartonado. A cobertura é tipo sanduíche. “Cada casa tem um projeto diferente. Não ficamos limitados a um tamanho ou acabamento. Fazemos o que o cliente quiser”, diz. “Geralmente nos procuram com terreno difícil e pedem projeto personalizado. A fundação e a infraestrutura podem encarecer a obra e aumentar o prazo de entrega.”

A força da madeira

A crescente procura por casas pré-fabricadas incentivou Thiago Peres, diretor da Terra Sol, usina de tratamento de madeira de reflorestamento, a criar a MOD Houses em 2020. “Com a pandemia, aumentou a busca por esse tipo de obra no litoral catarinense e vimos potencial para investir no mercado modular”, diz Thiago, que decidiu vender um produto: uma casa de 54 m² com ambientes integrados e quarto no mezanino.

“Montamos kit com os módulos estruturais de madeira maciça e engenheirada, painéis colados de pínus para compor piso, paredes e forro, além das ferragens para a montagem”, explica. O fechamento é de perfil de madeira no sistema macho-fêmea.

As peças são montadas na fábrica para serem numeradas e definidos os pontos de elétrica e hidráulica. Em seguida tudo é desmontado para o transporte até o canteiro da obra. O preço do kit está entre R$ 1.500 e R$ 1.800 o m² e não inclui a cobertura de telha isotérmica. “O custo da casa pronta no terreno pode chegar a R$ 3 mil o m²”, diz o diretor, que fornece manual de montagem e tem parcerias para realizá-la em todo o país.

“Não construímos a casa. Fornecemos o sistema com os acabamentos de qualidade para ganhar etapas na obra. Em um dia se instala a estrutura sobre a fundação de alvenaria. Em 40 dias, a casa estará pronta.”

A Zero Máquina usa compensado de pínus imunizado e tratado com cola à prova d’água da Ekomposit, que dá garantia de 20 anos. As casas têm a estrutura encaixada, colada e parafusada. As paredes, o piso e o teto ficam na madeira aparente ou recebem pintura e revestimento. “Há cliente que gosta do sistema pela rapidez, mas pede para esconder a madeira com drywall”, conta Victor. “Uma manta protege as paredes externas e a cobertura como se a casa fosse envelopada.”

Diante da insatisfação dos clientes em relação a custo, prazo e qualidade das obras tradicionais, os arquitetos Marcos Bresser e Thiago Maurelio criaram a empresa Muda Prefab em 2020. “A ideia de fazer casas modulares era antiga e ganhou força na pandemia”, diz Thiago. “Já trabalhamos com o arquiteto Arthur Casas, que tem a SysHaus. As pessoas procuram casas assinadas, que não são acessíveis para todos. Pensamos em trazer o alto padrão a preços menores.” Hoje o orçamento para uma casa de 66 m² é R$ 480 mil. “Quando passarmos para a escala industrial, reduziremos custos.”

A Muda usará o sistema woodframe em estrutura de chassi de aço, que pode receber paredes de outros materiais. “Não queremos nos apegar a um material, mas otimizar os processos”, afirma Thiago.

“Nossa primeira casa, de 35 m², ficará pronta em seis meses. A intenção é levá-la montada em 3D, mas depende do acesso ao terreno em Joanópolis, São Paulo, onde o cliente já fez a infraestrutura.” Os arquitetos pretendem oferecer uma casa como se fosse um carro, com cartela para a escolha de acabamentos e acessórios sustentáveis: painéis solares, captação de águas pluviais, biodigestor e reúso de águas.,

Arquitetura-produto

Diferentemente da arquitetura-projeto, a arquitetura-produto não tem a marca do exclusivo. Após ver o receio de clientes com os custos e os prazos da obra, os arquitetos Rafa Zampini e Marcelo Wendel, do escritório HUS, criaram o MOD HUS. “Em vez de esperar três anos para fazer uma casa grande, sentimos que eles queriam um produto: uma casa menor, comprada pronta e montada no terreno enquanto decidem o que farão. Daí veio a ideia do bangalô modular”, diz Rafa.

Em fábrica própria, o MOD HUS é feito de painéis estruturados de madeira ou de metal com manta de impermeabilização, revestimento externo de chapa cimentícia e dutos de elétrica e hidráulica. Os painéis autoportantes são fixados um no outro para gerar o bangalô.

“Criamos um produto como um Lego para ser montado no local em dez dias”, diz o arquiteto. “Temos dois modelos: uma suíte de 36 m² e o bangalô ampliado de 72 m² com sala. Se juntar os dois, forma uma casa de 108 m².” O preço varia entre R$ 130 mil e R$ 170 mil o bangalô, conforme os acabamentos e os acessórios. “O cliente monta o kit como em um carrinho na internet até chegar ao valor que pode pagar. A entrega é em 60 dias. Atende aos clientes com necessidade específica que buscam custo e prazo sem variação.”

O escritório Felipe Savassi Modular Studio desenvolveu uma plataforma na internet para vender quatro modelos de casas de diferentes tamanhos e números de ambientes customizáveis nos acabamentos. “Na startup Most Homes, a pessoa escolhe o que quer e tem o valor da casa estipulado na hora”, afirma o arquiteto Felipe Savassi. O modelo básico, uma cabana de 18 m², sai a partir de R$ 4.500 o m². A entrega é em 30 dias. “As casas podem ter até 100 m². O modelo chalé de 41 m² montamos em 30 horas”, acrescenta. “Isso é a arquitetura-produto, mas temos casas luxuosas de até 800 m² com estruturas pré-fabricadas, que custam até R$ 3 milhões e são entregues em seis meses.”

O sistema que Felipe desenvolve é o híbrido: estrutura paramétrica parafusada em cinco horas; fechamento com painéis; e área molhada de módulo volumétrico. Pode ser instalado sobre radier ou estacas, dependendo do solo. “O banheiro chega pronto, como unidade autônoma em 3D, que se instala na estrutura como um Lego. A caixa é desembalada no local e conectada às instalações de energia, água e esgoto”, explica.

Vantagens da modular

Além de não desperdiçar materiais e oferecer custo e prazo menores, a casa modular precisa de menos operários no canteiro de obra. Na maioria dos projetos, os painéis estruturados já saem da indústria com as instalações elétricas e hidráulicas e as vedações termoacústicas.

“Como tudo chega pronto, com acabamentos de cozinha e banheiro, precisa de apenas quatro pessoas para a montagem no terreno”, diz Victor, do PAX. “Na empresa, um arquiteto envia o projeto do computador para a máquina de corte e seis funcionários trabalham na construção. Uma casa de 20 m² foi fabricada em 15 dias no galpão e montada em cinco dias no terreno em Gonçalves, Minas Gerais.”

Para Pietro, do StudioAdi, as principais vantagens do sistema modular são: obra limpa, eficiente e rápida. “O custo não chega a ser muito menor que o de uma casa de alvenaria, mas o tempo é 50% inferior, porque os revestimentos fazem parte do sistema construtivo”, diz o arquiteto, que entrega as casas com painéis de energia solar e esgoto biodegradável. “A obra é feita em três meses por nossos fornecedores com supervisão de nossa empreiteira.”

Melhor em sustentabilidade

Especializado em gestão de edifícios sustentáveis e membro do GBC – Green Building Concil Brasil –, o arquiteto Felipe Savassi faz seus projetos na plataforma BIM – Building Information Modeling. “A construção modular causa menos impacto ao meio ambiente do que a convencional, porque desperdiça zero material e usa menos água, areia, cimento e brita”, diz Felipe. Já Victor, do PAX, destaca o uso de materiais de menor impacto ambiental. “E o consumo de energia para fabricar as peças também é mínimo. A máquina de corte consome igual a um chuveiro elétrico.”

Atualmente, o sistema modular tem mais procura do que profissionais trabalhando com ele. “A construção civil busca a industrialização, mas ainda há preconceito em relação à casa pré-fabricada e não tem incentivos do governo para mudar o jeito de construir no país, como existe no exterior”, afirma Felipe.

“Ninguém aguenta mais entrar em uma obra sem saber como sairá. O tempo e o dinheiro estão escassos. A obra tradicional é tão ineficiente que torna o sonho da casa difícil pelo custo e baixa qualidade.” E conclui: “A casa modular fica melhor em termos termoacústicos. Mais eficiente, demanda menos energia elétrica do que as de alvenaria. Isso precisa chegar ao público.”

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por, MARILENA DÊGELO, Casa e Jardim

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