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Na última terça-feira, 15 de março, Francis Kéré se tornou o primeiro arquiteto africano a ganhar o Prêmio Pritzker, a honraria mais importante da arquitetura.

A escolha de Kéré não é apenas simbólica em um momento de demandas identitárias, onde as instituições que compõem o mainstream enfim começam a representar mais fielmente as realidades sociais, culturais e sexuais que compõem nossas sociedades, mas também confirma a abordagem mais recente do júri do Prêmio Pritzker.

Desde sua primeira edição, de 1979 até a primeira metade da década de 1990, o Pritzker foi entendido principalmente como um prêmio pelo conjunto da obra (Philip Johnson, Oscar Niemeyer e Aldo Rossi, para citar alguns). Mais tarde, mudou para a coroação definitiva da geração de celebridades globais (Norman Foster, Rem Koolhaas e Zaha Hadid, entre outros) e, na última década, o júri destacou ações de compromisso social ao premiar arquitetos de vanguarda como como Shigeru Ban (2014), Alejandro Aravena (2016), Lacaton & Vassal (2021) e o próprio Kéré.

De Burkina Faso para a Alemanha e vice-versa

A carreira profissional do fundador da Kéré Architecture é fortemente marcada pela sua própria biografia a ponto de ser necessário esclarecer que o reconhecimento não é um prêmio por meritocracia ou uma forma de satisfazer as redes sociais, mas destaca uma filosofia e princípios arquitetônicos certamente influenciados pelo seu percurso pessoal.

Nascido em 1965 na cidade de Gando, Burkina Faso, Diébédo Francis Kéré é o filho mais velho do chefe de aldeia e o primeiro a frequentar a escola. Graças a duas bolsas concedidas por instituições alemãs, pôde começar a estudar carpintaria em 1985 e, dez anos depois, arquitetura na Technische Universität Berlin.

Embora tenha começado a estudar arquitetura aos 30 anos, a carreira de Kéré tem sido particularmente rápida e, como disse recentemente o crítico de arquitetura Anatxu Zabalbeascoa, ele representa fielmente o exemplo de “um desenvolvedor que não foi investidor”. Assim, enquanto estudava arquitetura na capital alemã, criou uma fundação com alguns colegas – Schulbasteine fuer Gando (Tijolos para Gando) – para financiar seu primeiro projeto: uma escola primária em sua cidade natal.

Neste trabalho, Kéré entende que seu projeto é o resultado da combinação de necessidades básicas, orçamentos limitados, convencimento da comunidade para trabalhar em equipe e uma definição de sustentabilidade de baixa tecnologia baseada em reavaliar e adaptar as técnicas vernaculares para seu próprio benefício. Claro, sem sacrificar a beleza da arquitetura.

Durante o desenvolvimento da escola primária, o conhecimento técnico de Kéré permitiu-lhe valorizar, adotar e adaptar as técnicas construtivas locais: a estrutura e o teto foram feitos com tijolos híbridos de barro e argila para melhorar o seu desempenho estrutural. São tijolos baratos de fácil produção e oferecem proteção térmica contra o clima quente. Kéré também sabia que a chuva danifica os tijolos, então ele superdimensionou o telhado de metal, montando-o sobre uma estrutura metálica para que as salas de aula não absorvam o calor vindo do telhado. É claro que Diébédo, conhecendo perfeitamente a comunidade, teve que convencer as pessoas de que o barro é, na verdade, um material nobre. Ao mesmo tempo, treinou seus vizinhos em vez de trazer trabalhadores qualificados de outras localidades de Burkina Faso, não apenas reduzindo os custos, mas também dando a estas pessoas mais oportunidades de trabalhos futuros.

Esse primeiro projecto valeu-lhe o Prémio Aga Khan para Arquitetura em 2004 e os princípios arquitetônicos aplicados nesta intervenção específica serão a sua marca em obras posteriores em Burkina Faso, Mali e Moçambique, como o Centro de Arquitectura da Terra, o Benga Riverside Residential, e as sucessivas ampliações do seu edifício inicial.

Nada é supérfluo

Em contextos eminentemente rurais como o de seu país natal, Kéré entende que suas obras também funcionam como marcos que fornecem abrigo, serviços e ferramentas às comunidades de ambientes naturais onde os limites entre o construído e a paisagem se diluem. Progressivamente, as soluções técnicas de Kéré tornam-se mais sofisticadas à medida que refina a técnica como arquiteto. Por exemplo, no projeto da biblioteca escolar de Gando, incorpora outro material pouco valorizado – o eucalipto – uma madeira então usada como lenha, pois suas raízes secam o solo e sua sombra não é muito eficiente; ao mesmo tempo, usa potes de barro como moldes de claraboia para garantir a luz natural e a circulação do ar dentro do edifício.

Nas obras de Kéré, nada é supérfluo, mas isso não significa que ele exclua da equação o bom desenho que nos emociona. Ele consegue um delicado equilíbrio entre a reformulação das técnicas locais e o design singular, evitando a romantização da precariedade. Com efeito, Kéré não pretende institucionalizar ou exportar a estética ou as técnicas construtivas de sua cidade natal, mas entende que esses princípios só funcionam no local a que pertencem e que em seu processo de construção ele pode transferir conhecimento para os trabalhadores e a sociedade, sem cair na ilusão de que os arquitetos deveriam desaparecer para dar lugar a uma comunidade plenamente qualificada.

O salto para o design na Europa veio de mãos dadas com o convite para projetar pavilhões como a Vitra + Camper Store na Alemanha, o Courtyard Village na Itália e, claro, o Serpentine Pavilion 2017, projeto que o alçou a um público global.

Pavilhões são uma tipologia de valor mais simbólico do que programático e, por isso, o seu desenho permite maiores exercícios estéticos do que o habitual. No entanto, o desafio de Kéré aqui é como traçar uma resposta sensata a partir de uma abordagem climática, sensorial e espacial. Assim, ele recorre a elementos de sua terra natal para criar uma sombra peneirada como os cobogós fazem, enquanto a estrutura de dossel de madeira do pavilhão se assemelha a uma árvore de savana que permite que a chuva seja coletada —se houver, durante o verão londrino— para regar o Parque.

Aqui Kéré encontra um propósito em algo que poderia ter sido simplesmente um capricho estético. E o júri do Pritzker, ao premiá-lo, também premia uma forma de praticar arquitetura que acontece em diferentes latitudes do mundo: a adaptação de técnicas locais como resposta eficaz à crise climática e à escassez de recursos. Sustentabilidade não é conseguir um certificado LEED para um prédio, mas expulsar o calor de uma sala de aula com tijolos feitos in loco que geram um efeito chaminé.

Como apresentar (sem copiar) uma cultura

Países do terceiro mundo geralmente não têm influência suficiente para apresentar sua própria cultura ao mundo, e ficam à mercê do que as nações desenvolvidas entendem dela. Por isso, Kéré tem consciência de que “o Ocidente sabe apresentar sua cultura. Todos são dominados pelas imagens produzidas no Ocidente” e, por isso, seu desafio é também criar uma linguagem arquitetônica local, uma das muitas que a arquitetura africana pode cunhar, sem cair no estereótipo da vila empobrecida ou favelas violentas nas periferias poluídas. De fato, há mais linguagens arquitetônicas a serem construídas em um continente de 1,2 bilhão de habitantes, composto por cerca de 50 países e uma rica diversidade geográfica, cultural e étnica.

Em certas latitudes da América Latina, a obra de Kéré também pode estar ligada ao surgimento da chamada arquitetura social, onde a escassez de recursos e a ausência do Estado são equalizadas com criatividade, revalorização de técnicas locais e trabalho cooperativo em áreas de urbanização informal ou escassa. Em ambos os cenários, a arquitetura resolve necessidades básicas em pequena escala, mas, por outro lado, também é perigoso pensar que essa é a única maneira possível da arquitetura acontecer nessas regiões, segundo as visões colonialistas (porém influentes) do primeiro mundo.

O desafio é como ampliar esses princípios para cenários urbanos. Escritórios equatorianos como Natura Futura e Al Borde, dois exemplos sólidos de arquitetura de impacto social, deram o salto com sucesso para as cidades, ao passo que Kéré está projetando as Assembleias Nacionais de Benin e Burkina Faso. No desenho desses espaços legislativos, serão postos à prova os princípios do Prêmio Pritzker 2022: uma arquitetura construída que é fruto de tantos outros processos que ela mesma engaja; e uma visão de utopia modesta, em harmonia com os ventos que sopram atualmente pelo mundo: “Temos que pensar grande, ser um pouco visionários. Se você fizer isso, levará as pessoas a pensarem mais.”

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por Nicolás Valencia, Archdaily

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