O crescimento das grandes cidades se deu, por um longo período, sem uma preocupação em relação à preservação de recursos naturais. Foi assim que setor da construção civil se tornou, por exemplo, responsável por 38% das emissões de carbono relacionadas à energia, de acordo com o Relatório de Situação Global 2020 para Edifícios e Construção*. Ainda assim, há décadas Curitiba aposta em um olhar cuidadoso para com o meio ambiente, o que ajudou a moldar a perspectiva assumida pela sociedade curitibana, incluindo o setor da construção civil e o mercado imobiliário.
Para Guido Petinelli, CEO da Consultoria Petinelli, focada em engenharia e sustentabilidade, a vocação curitibana voltada a práticas sustentáveis – que rende à cidade colocações de destaque em rankings de sustentabilidade como o Cidade Sustentáveis, da revista canadense Corporate Knights, em que aparece como a mais sustentável da América Latina e a 14.ª do mundo – inspirou e desafiou incorporadoras e construtoras pioneiras a refletir sobre formas de construir edifícios melhores, garantindo conforto e bem-estar com tecnologia e desenvolvimento técnico.
Além disso, aponta ele, mais recentemente, as metas “zero” começaram a se tornar o novo objetivo para muitos construtores, comunidades e cidades, especialmente no setor comercial. Inspiradas pela Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ONU), são políticas de desperdício zero, geração de energia renovável e equilíbrio de emissões de carbono. Assim, também surgiram os edifícios carbono zero, construções autossuficientes que observam as emissões de carbono geradas desde a construção.
Se já era uma questão cultural intrínseca à Curitiba e vinha ganhando cada vez mais atenção devido à conscientização acerca das mudanças climáticas, a busca por soluções sustentáveis e de conforto aprofundou-se de forma importante na cidade – tanto por parte dos cidadãos quanto do mercado imobiliário – a partir da pandemia de Covid-19.“Vivemos um momento em que as pessoas conseguiram olhar um pouco mais para suas residências e se deram conta de que precisavam morar melhor”, avalia a arquiteta e urbanista especialista em construções sustentáveis Adriane Savi.
Como resultado, muitos moradores investiram em novos imóveis, preocupados também com a sua manutenção. Partindo dessa demanda, segundo ela, novas construções incorporam soluções biofílicas, paisagismo ecológico, telhados verdes e materiais naturais como uma forma de implementação da sustentabilidade.
Empresas que pensam o espaço urbano e almejam a superação de problemas ambientais vêm adotando também conceitos da arquitetura bioclimática. A arquiteta Paula Morais esclarece que essa abordagem consiste no aproveitamento das condições favoráveis do clima e do local durante a construção de um edifício para minimizar o consumo energético.
Ao contrário das soluções convencionais, as estratégias utilizadas no processo são “passivas”, isto é, contam com os aspectos climáticos para manter uma temperatura confortável no espaço, sem necessidade de sistemas mecânicos de condicionamento de ar. Paula explica que, em cidades como Curitiba, com diversos microclimas urbanos, essas estratégias são essenciais: “Após compreender esses aspectos e implementar essas soluções nos edifícios, é como se o corpo reagisse
e se adaptasse ao entorno”.
Tudo isso contribui, conforme Adriane, não apenas para o cuidado com o meio ambiente, mas também trazendo melhorias para a saúde e o bem-estar de quem ocupa esses espaços. Esse ponto, aliás, é ressaltado por Guido Petinelli, da consultoria especializada: pensar em sustentabilidade no mercado imobiliário vai além da preservação do meio ambiente. “Deve-se pensar em eficiência, conforto e bem-estar, e sustentabilidade no sentido de redução de impacto ambiental”, frisa.
Soluções inovadoras de sustentabilidade, como presença de
painéis fotovoltaicos, reaproveitamento de água pluvial e iluminação em LED ou ainda fachadas envidraçadas para redução da entrada de raios UV, tintas e adesivos com baixo Composto Orgânico Volátil (COV), nem sempre são indicadores de que uma edificação é sustentável. Por isso, nas últimas duas décadas, construtoras e incorporadoras curitibanas passaram a investir e trabalhar na conquista de certificações, como um reconhecimento pelo esforço de tornar uma edificação mais sustentável.
Direcionada ao setor da construção civil, a certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), da Green Building
Council (GBC), por exemplo, é adotada mundialmente. No Paraná, o primeiro edifício a receber essa certificação fica em Curitiba, introduzindo um novo padrão de qualidade para as construções.
O grande destaque atual é o aumento do percentual das edificações certificadas no Brasil que estão alcançando o nível Platinum. Um levantamento realizado pela Consultoria Petinelli aponta que Curitiba é a capital brasileira com a maior porcentagem de prédios LEED Platinum. 42% dos empreendimentos certificados LEED na capital paranaense atingem o mais alto nível de desempenho. A cidade também é sede dos primeiros prédios certificados LEED Zero Energia e Zero Água (que atestam as respectivas autossuficiências) no mundo e os primeiros edifícios LEED Zero Carbono e Zero Resíduos no Brasil.
Além do LEED, outras certificações se destacam, como o GBC Casa, GBC Condomínio, GBC Zero Energy, WELL Certification e Fitwel, além do selo Procel PBE Edifica e do selo Casa Azul da Caixa Econômica Federal. Os critérios variam, mas os principais são voltados aos recursos utilizados, à gestão e redução de resíduos descartados, à qualidade do espaço interno, à eficiência hídrica e à energia.
Adriane Savi enfatiza que o processo aparece como uma forma de organizar as soluções utilizadas pelas empresas. “A certificação reforça que a edificação passou por um processo, isto é, um órgão verificou todas as tomadas de decisão que foram feitas naquele projeto, além de dar a segurança de que as propostas conseguem chegar em um nível de sustentabilidade, de saúde e bem-estar ou de eficiência energética”.
O crescimento dessas atividades na região e o comprometimento dos profissionais com a incorporação de princípios sustentáveis em seus projetos provaram para o mercado que a sustentabilidade é economicamente viável e está ao alcance dos brasileiros, aponta Guido Petinelli. “Curitiba, agora, não pode desperdiçar oportunidades, porque nos tornamos referência. O resto do Brasil está olhando para cá e está na hora de tirarmos proveito dessa vocação, que não foi construída da noite para o dia”, destaca.
*Relatório produzido pela Aliança Global para Edifícios e Construção, ligada ao Programa das Nações Unidas para o Ambiente.
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Via Gazeta do Povo
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