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MoradaYDU: mais que uma casa ecológica

Publicado em 09 . 03 . 2023

Há mais de um século, o futuro aquecimento global a partir da queima de combustíveis fósseis já era um alerta do sueco Svante Arrhenius, Nobel em química (1903), mas foi praticamente ignorado. Desastres ambientais e alterações climáticas com que vimos nos familiarizando são decorrentes da mesma abstração da realidade.

A curva de emissões de CO2 permanece em crescimento exponencial – embora os desdobramentos ao redor do mundo, desde os anos 60, reunindo instituições inclinadas a buscar meios de salvaguardar as sociedades que elas representam e o planeta.

Derivadas dessas medidas que conselhos, conferências, fóruns, agendas vêm elencando, as certificações ambientais contribuem para atrair as atenções para o que nesse contexto é considerado como boas práticas e dessa forma promover a sensibilização e o engajamento da sociedade.

Estamos distantes de uma conscientização coletiva, mas é preciso perseverar.

Nesse arcabouço de valores, insatisfeita com as práticas profissionais convencionais de 17 anos de carreira em projetos de arquitetura e execução de obras, me voltei ao conceito da sustentabilidade a partir de novas formações – pós-graduação mais certificação como especialista e consultora em arquitetura sustentável e bioecológica ANAB-IBN (2012), quando constituí nova empresa, a Cedro Sustentabilidade e Execuções – e mais recentemente mestrado em ensino das ciências ambientais USP-PROFCIAMB (2021) com a dissertação “O espaço escolar sustentável como educador” e o produto “Guia de Princípios da Escola Sustentável”, trabalhos voltados à educação ambiental e ao alinhamento de espaços escolares ao conceito.

Desde 2011 trabalho exclusivamente pelo viés da sustentabilidade. Projetos sob a visão da abrangência sistêmica para reformas, construções, planejamentos, intervenções, sejam para residências, estabelecimentos comerciais, empresariais ou escolas. Desenvolvi metodologia própria para viabilizar meu trabalho em projeto e gestão executiva junto a todos os stakeholders. Meu trabalho passou a realmente fazer sentido para mim. O novo formato individual e em rede, idem. Os desafios do ofício são os mesmos, mas agora me realizo, como profissional e indivíduo, uma vez que muitos são influenciados pelo conceito. Questionamentos acerca dos avanços da sustentabilidade, porém, ainda também perduram:

  • Por que mesmo com uma COP por ano desde a RIO-92 a emissão de CO2 permanece ascendente? Será que pelo aumento populacional igualmente exponencial? Estamos fazendo mais do mesmo? Seremos indefinidamente dependentes de hábitos insustentáveis?

São muitas as perguntas e não temos respostas definitivas, mas sabemos que o consumo é o alvo dos problemas por ele irradiados sobre o planeta e sociedade.
Assim surgiu o propósito de experimentar realizar uma obra própria onde a abrangência da sustentabilidade promovesse liberdade de projeto e dos paradigmas estabelecidos pelo mercado.

A MoradaYDU, mais que uma casa ecológica, é um projeto de vida de uma família que busca fazer a transição de seus próprios hábitos e condutas para um cenário de sustentabilidade real, envolvendo soluções e propósitos nas áreas ambiental, social e econômica por meio de ações e escolhas que convirjam com o conceito, evitem modelos padronizados e sensibilizem a sociedade.

A obra é um manifesto ativista por meio da arquitetura – seja pela sensibilização ambiental, pela bioclimática aplicada, pelo apelo à redução de consumo ou pela educação informal a todos que a visitam. Traz amplo repertório de habilidades aliadas a técnicas bioclimáticas e bioecológicas, que conjugadas com materiais – de passivos ambientais à sistemas construtivos a seco – encontrados no mercado local ou próximos, proporcionam conforto e bem-estar de forma passiva, aliando funcionalidade ao conforto, elegância ao design aplicado, durabilidade à baixa manutenção.

São traços que, ao perseguirem a minimização do consumo de recursos naturais, a geração de resíduos e os descartes próximos à zero, o beneficiamento do bioma e sociedade locais, a autonomia em saneamento e energia, promoveram um rico desafio sistêmico.Ao conquistar este selo, a obra convida a uma observação atenta ao que pode estar por trás de uma edificação Zero Energy, muito além do bom dimensionamento de uma usina fotovoltaica. A obra incorpora 9 ODS da Agenda 2030, num complexo de soluções e experiências dentro do conceito.

Destacam-se perante a certificação Zero Energy, em específico, recursos passivos bioclimáticos empregados tanto para promover saúde e bem-estar como economia de energia:

  • A carta solar e ventos predominantes determinou a localização, dimensionamento e tipologia de aberturas nas envoltórias. Foram adotados caixilhos retráteis, que permitem livre regulagem da passagem de ar, até próxima à 100% do vão. O fator insolação torna-se aliado das amplas aberturas nas fachadas norte, ao incidir com maior penetração nos meses frios, aquecendo uma média de 20m2 de pisos internos com inércia térmica, ao longo do dia, mas também à noite, por liberação do calor armazenado. Nos meses quentes, o sol incide verticalmente reduzindo a zero a sua penetração e as amplas aberturas nas fachadas sul e sudeste fazem a rápida troca de ar por ventilação cruzada injetando ar fresco no interior dos ambientes, na maioria integrados.
  • Não adotamos coifas, mas exaustão passiva pelo mesmo princípio passivo entre zonas de pressão e aceleração pelo comprimento dos dutos.
    A edificação da residência em steelframing, teve revestimento externo em placas termoprensadas do cavaco de bobinas para tubo de creme dental, constituídas de 75% de polietileno e 25% de alumínio, com condutividade térmica de 0,16W/mk – 50% melhor que as convencionais placas cimentícias, contribuindo para o conforto térmico. Para a edificação térrea do anexo, em contêineres, foi adotado sistema de fachada ventilada com o mesmo material como revestimento externo, mantendo as chapas de aço isoladas da insolação e ventiladas. Um lanternim ventilado situado no eixo dessa edificação, mais sete domos zenitais ventilados em ambas edificações, garantem troca de ar contínua, exaustão do ar quente, além de iluminação natural abundante e difusa.
  • Os escritórios situados sob o térreo do anexo em cota de 1,80m abaixo do nível do solo estão, portanto, num semi-subsolo e dentro de uma área escavada mais larga, que permite faixas laterais de ventilação e iluminação naturais plenas, por meio de amplos caixilhos de correr.
  • Ambas edificações, residência e anexo, possuem coberturas horizontais para jardins extensivos, exceto onde situam-se as placas fotovoltaicas do sistema coletor de energia solar. Tais tetos verdes constituídos de camadas diversas, geram um isolamento térmico bastante eficiente tanto nos meses quentes como frios.

Estamos morando na casa há 1 ano e 9 meses e nesse pós-ocupação posso dizer que há uma verdadeira transição das nossas condutas, como já era previsto e pretendido. Mesmo possuindo hábitos conscientes antigos dentro do conceito da sustentabilidade, nos vemos continuamente surpresos com a nossa reaproximação da natureza dia após dia e de seus recursos disponíveis continuadamente, graças às soluções passivas bioclimáticas, bioecológicas e paisagísticas empregadas. Estamos assimilando que somos parte dela e se nos aprimorarmos em observá-la em sua inteligência e reaprender a fluir nessa sintonia, diversos processos onerosos, sobretudo ao planeta, se tornarão dispensáveis. O conceito de “conforto” se amplia, ainda que passemos a viver fora da “zona de conforto” do consumo e de tantas facilidades mecânicas artificiais.

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por Yara Santucci Barreto, especialista e consultora ANAB-IBN* em arquitetura sustentável e bioecológica e mestre em ensino das ciências ambientais. É formada em arquitetura e urbanismo e diretora da CEDRO Sustentabilidade e Soluções.

* https://www.anab.it | https://baubiologie.de | https://www.moradaydu.com/

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